procuro no escuro – a palavra nova
tateio espaços
risco rasgo
não posso vê-la
tento tintas outras - tons
texturas
na minha pele escrita
caneta tinteiro
mata borrão borracha
papel de arroz tão fino
requer cuidado
papel de arroz
o chamado
menina, levanta!
ordenou-me a poesia
(me segurando pelas mãos)
levantei-me
e me pus a caminho
e me pus a caminho
o nascimento
há verdades em mim
que precisam
ser ditas
porque não cabem mais
dentro do peito
dentro do cérebro
cinzento
dentro da alma
aprisionada
então
assim nasce o poema
que precisam
ser ditas
porque não cabem mais
dentro do peito
dentro do cérebro
cinzento
dentro da alma
aprisionada
então
assim nasce o poema
a sangria
a cada poema que leio
arranco um pedaço:- não do poema
mas do poeta
nas madrugadas
saio às ruas sangrando:- colagens
que não cicatrizam
arranco um pedaço:- não do poema
mas do poeta
nas madrugadas
saio às ruas sangrando:- colagens
que não cicatrizam
a cratera
onde cabe o silêncio
cabe a palavra:- multiplicada
que silêncio é vazio
infinita cratera
que somente a palavra
aterra
cabe a palavra:- multiplicada
que silêncio é vazio
infinita cratera
que somente a palavra
aterra
o rito
saudade
da língua dos coptas
primitivos tempos
corre em mim
um Nilo Azul
de palavras e ritos
trago no peito a marca
o garimpo
cava fundo no peito
tenta encontrar a palavra escondida
é preciso ir além da epiderme
dilacerar a carne
romper nervos e veias
ver transpassado / o bruto
coração
tenta encontrar a palavra escondida
é preciso ir além da epiderme
dilacerar a carne
romper nervos e veias
ver transpassado / o bruto
coração
a mina
então finalmente
quando ele dói e sangra
o bruto /
coração
foi encontrada a mina
onde habita a palavra bruta
joia rara /
lâmina
o enigma
decifra-me palavra
que eu já não te decifro
as minhas as outras
as não
proferidas
as que sangram feridas
que desconheço
que eu já não te decifro
as minhas as outras
as não
proferidas
as que sangram feridas
que desconheço
a afronta
criar
pressupõe
afrontar o nada
que antecede
a toda
criação
e se atirar
na direção
soprada
pelo improvável
acontecer
pressupõe
afrontar o nada
que antecede
a toda
criação
e se atirar
na direção
soprada
pelo improvável
acontecer
o limiar
dançam
em nossas mãos
palavras
desafiando
o frágil equilíbrio
do sentido
no limiar
entre silêncio
e som
entre música
e ruído
em nossas mãos
palavras
desafiando
o frágil equilíbrio
do sentido
no limiar
entre silêncio
e som
entre música
e ruído
o pó
poesia é o pó
do que foi brunido / soprado
do que foi sentido
esmerilhado
pelo vento forte da palavra
do que foi brunido / soprado
do que foi sentido
esmerilhado
pelo vento forte da palavra
a flor
há os que arrancam os olhos
à unha
tentando ser modernos
(das palavras
arrancam as vísceras)
e o poema estrebucha
enquanto
o leitor corre em busca da flor
em algum jardim antigo
à unha
tentando ser modernos
(das palavras
arrancam as vísceras)
e o poema estrebucha
enquanto
o leitor corre em busca da flor
em algum jardim antigo
a vertigem
de delírio em delírio o poeta se equilibra
malabarista bêbado
na eterna vertigem:- entre vício
e espetáculo
malabarista bêbado
na eterna vertigem:- entre vício
e espetáculo
a doação
hei de doar tudo que tenho
ou seja — palavra
que seja pouca e rasa
que seja
hei de doar também a falta
ou seja — silêncio
que seja muito e fundo
que seja
assim seja
ou seja — palavra
que seja pouca e rasa
que seja
hei de doar também a falta
ou seja — silêncio
que seja muito e fundo
que seja
assim seja
a posse
poesia é latifúndio
nas mãos de poderosos
eu — cultivo versos no quintal
de uma casa que não
é minha
nas mãos de poderosos
eu — cultivo versos no quintal
de uma casa que não
é minha
a perda
era um poema e tanto (o melhor de todos)
foi para o ralo
e antes mesmo de chegar ao rio
evaporou:- que pena
não vai saber do abismo
nem do sal
foi para o ralo
e antes mesmo de chegar ao rio
evaporou:- que pena
não vai saber do abismo
nem do sal
o edifíco
urbano pós-moderno o poeta devora
cimento e aço / pedra e areia
além de outros pós
finíssimos (aglutinantes)
bebe petróleo e outros líquidos
altamente inflamáveis
então
cospe delírios
estradas que não chegam e edifícios
em chamas (sua casa)
enquanto
a flor insiste e brota / desafiando
insensatez
e cinzas
cimento e aço / pedra e areia
além de outros pós
finíssimos (aglutinantes)
bebe petróleo e outros líquidos
altamente inflamáveis
então
cospe delírios
estradas que não chegam e edifícios
em chamas (sua casa)
enquanto
a flor insiste e brota / desafiando
insensatez
e cinzas
o vento
faz vento
onde mora meu Deus — palavra
que me vem feito brisa
ou tempestade
quando meu coração (humano)
fraqueja
e sente dor
onde mora meu Deus — palavra
que me vem feito brisa
ou tempestade
quando meu coração (humano)
fraqueja
e sente dor
a mordaça
o poeta se cala diante da morte
diante da dor:- se cala
o não esperado parece ter
mordaças:- nenhuma delas
aprisiona o verso
diante da dor:- se cala
o não esperado parece ter
mordaças:- nenhuma delas
aprisiona o verso
o sopro
pífaros soam
enquanto o vento roça
as rotas
cortinas de crochê
de algodão cru
que a vida é sopro
: neste momento exato
do poema
enquanto o vento roça
as rotas
cortinas de crochê
de algodão cru
que a vida é sopro
: neste momento exato
do poema
a explicação
escrevo porque sim
escrevo — por que não?
nem sei o que seria
se não fosse assim
— então
escrevo — por que não?
nem sei o que seria
se não fosse assim
— então
o acaso
faço poemas inconseqüentes
já não me importo com isso
tudo que espero do poema
é que ele se liberte
que ele me liberte
que ele liberte alguém ao acaso
acaso ainda exista alguém
aprisionado
neste tempo absurdo
de liberdade extrema e solidão
absoluta
já não me importo com isso
tudo que espero do poema
é que ele se liberte
que ele me liberte
que ele liberte alguém ao acaso
acaso ainda exista alguém
aprisionado
neste tempo absurdo
de liberdade extrema e solidão
absoluta
o espelho
todos os dias leio Rodrigo
(duas vezes por dia)
os seus cachorros
são azuis
as minhas garças, rosas
sem nenhuma obsessão
(duas vezes por dia)
os seus cachorros
são azuis
as minhas garças, rosas
sem nenhuma obsessão
o abismo
cantares atlânticos
palavras
areias que arranham
palavras
navios e cascos
palavras
vela vento sol
palavra
palavra
palavra
: abismo e plenitude
sal
palavras
areias que arranham
palavras
navios e cascos
palavras
vela vento sol
palavra
palavra
palavra
: abismo e plenitude
sal
o sopro
a voz
a voz que soprava poemas
agora se cala
a voz
foi soprar noutros cantos
cantos outros
sopros
a voz que soprava poemas
agora se cala
a voz
foi soprar noutros cantos
cantos outros
sopros
a teia
palavras que tecem
teias
de aranha
que uivam
que cantam
que arranham
em arrastados erres
e engolidos esses
teias
de aranha
que uivam
que cantam
que arranham
em arrastados erres
e engolidos esses
o sotaque
palavra
que sotaque te traduz?
vozes da minha terra
ruído canção
lugar
em que a palavra era
que sotaque te traduz?
vozes da minha terra
ruído canção
lugar
em que a palavra era
a substância
pedaços de silêncio
dispersas
palavras
mistura marginal
in_solução
imiscíveis
precipitam:-
substâncias puras
dispersas
palavras
mistura marginal
in_solução
imiscíveis
precipitam:-
substâncias puras
o nada
carece de alma
meu pobre verso
de corpo
meu verso carece
de tudo
que em mim
é falta
ou excede
: carece de nadas
meu pobre verso
de corpo
meu verso carece
de tudo
que em mim
é falta
ou excede
: carece de nadas
o labirinto
porque me perco
no labirinto estreito
dos silêncios
e só me acho
na trilha empoeirada
das palavras
antigas
se é do silêncio
que preciso
no labirinto estreito
dos silêncios
e só me acho
na trilha empoeirada
das palavras
antigas
se é do silêncio
que preciso
a intradução
alguns poemas traduzidos
outros deglutidos
na sua própria língua
notícias de jornal
instantes vividos
fragmentos
colagens
sentidos
matéria-prima
com que o poeta tece
a sua trama (mosaico)
na velha vã esperança
de um dia : a si mesmo se
traduzir
outros deglutidos
na sua própria língua
notícias de jornal
instantes vividos
fragmentos
colagens
sentidos
matéria-prima
com que o poeta tece
a sua trama (mosaico)
na velha vã esperança
de um dia : a si mesmo se
traduzir
a dualidade
singelos ou loucos vamos
fazendo poesia
pois que somos todos uns
ou outros
ambos talvez
nenhuns
fazendo poesia
pois que somos todos uns
ou outros
ambos talvez
nenhuns
o signo
linguagem é signo
que já não compreendo por inteiro
códigos:- que já não decifro
símbolos de uma era
meu tempo já era
que já não compreendo por inteiro
códigos:- que já não decifro
símbolos de uma era
meu tempo já era
a esfinge
no deserto hodierno
linguagem é esfinge
(autofágica)
que a si mesma se decifra
e se devora
linguagem é esfinge
(autofágica)
que a si mesma se decifra
e se devora
o deserto
palavras
procuro por elas
só no deserto as encontro
temo
emudecer para sempre
tanto mar
(mergulho)
procuro por elas
só no deserto as encontro
temo
emudecer para sempre
tanto mar
(mergulho)
o vazio
queria outro tom na minha poesia
mas ela tem as cores daquilo que sou
ou seja:- nada
no fundo branco letras
que não dizem
no ritmo exagerado do vazio que ecoa
onde o último grito é ressonância
repercussão de um som agudo
atávico
bem muito mais antigo
do que eu
mas ela tem as cores daquilo que sou
ou seja:- nada
no fundo branco letras
que não dizem
no ritmo exagerado do vazio que ecoa
onde o último grito é ressonância
repercussão de um som agudo
atávico
bem muito mais antigo
do que eu
a conversa
faço versos porque não tenho
com quem conversar
falo com o verso e o verso
me responde
quando ele fala eu ouço
e o traduzo
no fundo, é tudo conversa fiada
com verso sem verso
a vida é barra e ponto
(ou dois pontos):- e está pronto
o poema que não fiz
com quem conversar
falo com o verso e o verso
me responde
quando ele fala eu ouço
e o traduzo
no fundo, é tudo conversa fiada
com verso sem verso
a vida é barra e ponto
(ou dois pontos):- e está pronto
o poema que não fiz
o pressentimento
estranho
hoje palavra alguma
faz sentido
talvez pressintam
olhos nenhum
a procurar por elas
hoje palavra alguma
faz sentido
talvez pressintam
olhos nenhum
a procurar por elas
o tempo
às vezes penso que tudo já foi dito
me calo
sempre tão breve meu silêncio
o tempo exato de um espanto
ou de um espasmo
o tempo de qualquer existir
ou extinguir
o tempo aflito do estalo da língua
no céu da boca
o tempo do sentir
[... o tempo
me calo
sempre tão breve meu silêncio
o tempo exato de um espanto
ou de um espasmo
o tempo de qualquer existir
ou extinguir
o tempo aflito do estalo da língua
no céu da boca
o tempo do sentir
[... o tempo
a catarse
lembra, quando tudo era começo
e o fim, palavra não dita
hoje, começo é lugar distante
e o fim, palavra escrita
tatuagem catártica
na pele do instante
e o fim, palavra não dita
hoje, começo é lugar distante
e o fim, palavra escrita
tatuagem catártica
na pele do instante
a mudez
perdi a voz
nenhum som
gemido canto
sopro
p a l a v r a
estou muda
talvez
não tenha mesmo
mais nada
a dizer
nenhum som
gemido canto
sopro
p a l a v r a
estou muda
talvez
não tenha mesmo
mais nada
a dizer
a fogueira
de onde o quebranto que transforma
o sentir em palavras
e a alquimia antiga que transmuta
a palavra em outro sentir
olhos ou coração
decodificam o verso e o traduzem?
pedra filosofal é o verbo
ao mesmo tempo criador e criatura
a fonte a sede a água e a boca seca
mais do que susto o poema é loucura
nos meus olhos vermelhos reflexos
ardem fogueiras
e a grande obra ainda por se fazer
o sentir em palavras
e a alquimia antiga que transmuta
a palavra em outro sentir
olhos ou coração
decodificam o verso e o traduzem?
pedra filosofal é o verbo
ao mesmo tempo criador e criatura
a fonte a sede a água e a boca seca
mais do que susto o poema é loucura
nos meus olhos vermelhos reflexos
ardem fogueiras
e a grande obra ainda por se fazer
o bastante
não quero mais falar do verso
não quero
mas vou falar do quê?
se o verso é tudo que me resta
hoje
é tudo que me basta
é tudo
embora seja nada – ou quase
nada
não quero
mas vou falar do quê?
se o verso é tudo que me resta
hoje
é tudo que me basta
é tudo
embora seja nada – ou quase
nada
a luta
a luta pelo pão
massacrou a poesia
é tudo tão raso
tão pouco
tudo tão
desumano
verso nenhum resiste
a universo tão
limitado
massacrou a poesia
é tudo tão raso
tão pouco
tudo tão
desumano
verso nenhum resiste
a universo tão
limitado
o sol
outra vez
me ronda a poesia
agora é assim
quase uma sombra
colada em mim
não
ela é o sol
eu
a sombra
me ronda a poesia
agora é assim
quase uma sombra
colada em mim
não
ela é o sol
eu
a sombra
a tristeza
o poeta está triste
pesam-lhe sobre os ombros
as dores do seu povo
e a insensatez do seu tempo
na sua humanidade, o poeta
— que não crê
transcende e toca o céu
pesam-lhe sobre os ombros
as dores do seu povo
e a insensatez do seu tempo
na sua humanidade, o poeta
— que não crê
transcende e toca o céu
a tisana
hoje o poema
é uma tisana quente
de folhas verdes
doces
perfumadas
sorvida
em dia frio
de inverno
(em porcelana rara)
na varanda florida
de uma casa
no campo
é uma tisana quente
de folhas verdes
doces
perfumadas
sorvida
em dia frio
de inverno
(em porcelana rara)
na varanda florida
de uma casa
no campo
o manifesto
cantos ou gritos
de almas milenares
manifesto do verbo:- o do princípio
que multiplica e se renova
em vozes tantas
quantas
suporta o universo
(ouvidos de silêncio
olhos de estrela)
a ler-nos, versos que somos
tomos (sagrados)
do grande livro:- o da palavra viva
de almas milenares
manifesto do verbo:- o do princípio
que multiplica e se renova
em vozes tantas
quantas
suporta o universo
(ouvidos de silêncio
olhos de estrela)
a ler-nos, versos que somos
tomos (sagrados)
do grande livro:- o da palavra viva
a ave
perdida faço versos
palavras me orientam no caminho me sinto
chego ao ponto final
sem rumo
trilha que me leva
margem de rio estrada de terra:- serra
mata fechada ciclo
via
som de cachoeira
moto perpétuo tenho sede sou ave me atiro
sigo os sinais o vento o sol
o vento
telúricas correntes
migro mas sempre volto ao ponto de partida
eu perdida:- estrada estrada
estrada
palavras me orientam no caminho me sinto
chego ao ponto final
sem rumo
trilha que me leva
margem de rio estrada de terra:- serra
mata fechada ciclo
via
som de cachoeira
moto perpétuo tenho sede sou ave me atiro
sigo os sinais o vento o sol
o vento
telúricas correntes
migro mas sempre volto ao ponto de partida
eu perdida:- estrada estrada
estrada
a tradução
bem agora
que eu tinha tanto a dizer
me falta a voz
(tenho pétalas na garganta)
macias
seriam as palavras
vermelhas
seda / perfume
abre a janela e olha
meus canteiros
ou o velho vaso de flor
sobre a mesa da sala
e tenta
me traduzir
que eu tinha tanto a dizer
me falta a voz
(tenho pétalas na garganta)
macias
seriam as palavras
vermelhas
seda / perfume
abre a janela e olha
meus canteiros
ou o velho vaso de flor
sobre a mesa da sala
e tenta
me traduzir
a metamorfose
átomos
átimos atos tomos
alfa beta
gamo
a suspirar
por águas
pirata do mar
das palavras
vulcão em lavas
versos
lavras que brilham
larvas
que criam asas
e voam
átimos atos tomos
alfa beta
gamo
a suspirar
por águas
pirata do mar
das palavras
vulcão em lavas
versos
lavras que brilham
larvas
que criam asas
e voam
a aridez
tem chovido tanto
mas não chove em mim
árida
já nem versos brotam
processo irreversível
desertificação
dunas que se movem
sem direção
mas não chove em mim
árida
já nem versos brotam
processo irreversível
desertificação
dunas que se movem
sem direção
a invenção
falo do que não sinto
minto:- invento
memórias
conto histórias
que não
vivi
consola-me Pessoa
todo poeta
é mesmo
fingidor
e eu finjo
dor e alegria
finjo vida:- e poesia
minto:- invento
memórias
conto histórias
que não
vivi
consola-me Pessoa
todo poeta
é mesmo
fingidor
e eu finjo
dor e alegria
finjo vida:- e poesia
a fatalidade
poetiza-me palavra
sentimenta-me
volátil:- transfigura-me
sonoriza-me palavra
metrifica-me
rítmica:- encadeia-me
expressa-me palavra
verbaliza-me
criativa:- extrapola-me
contexta-me palavra
versa-me
fática:- transcende-me
sentimenta-me
volátil:- transfigura-me
sonoriza-me palavra
metrifica-me
rítmica:- encadeia-me
expressa-me palavra
verbaliza-me
criativa:- extrapola-me
contexta-me palavra
versa-me
fática:- transcende-me
o zumbi
soprei
versos sem alma
que andam
por aí
feito zumbis
até
que o corpo
se desfaça
ou a vida retorne
versos sem alma
que andam
por aí
feito zumbis
até
que o corpo
se desfaça
ou a vida retorne
a agonia
há dias (muitos)
em que a minha
poesia
tem a força
de um grilo
e a fúria
de uma gota
grilo
que já não pode
cantar
gota
prestes
a despencar
a minha poesia
agoniza
em que a minha
poesia
tem a força
de um grilo
e a fúria
de uma gota
grilo
que já não pode
cantar
gota
prestes
a despencar
a minha poesia
agoniza
a cura
poeta de verdade
não canta
a penas
suas próprias
suas próprias
dores
canta as dores
canta as dores
do mundo
e segue
acreditando
na impossível cura
o escuro
a dor
pra amenizar
fazer um verso
tento
não posso
em dor assim
poesia
não cabe
o escuro cabe
e o silêncio
pra amenizar
fazer um verso
tento
não posso
em dor assim
poesia
não cabe
o escuro cabe
e o silêncio
a fogueira
descobri
que meus velhos
poemas
não dizem mais
de mim
pois
quem
os
escreveu
já
não
existe
vou queimar
tudo
depois jogar
do alto
da montanha
junto
com
as
cinzas
do
que
fui
que meus velhos
poemas
não dizem mais
de mim
pois
quem
os
escreveu
já
não
existe
vou queimar
tudo
depois jogar
do alto
da montanha
junto
com
as
cinzas
do
que
fui
a plenitude
poema dia? é pouco
agora, quer um poema
por hora
absoluto - quer um
por minuto
o poema é seu mundo
o quer
absoluto - quer um
por minuto
o poema é seu mundo
o quer
por segundo
não é bastante
quer o poema
instante
o instante é pequeno
quer o poema pleno
não é bastante
quer o poema
instante
o instante é pequeno
quer o poema pleno
a precariedade
o poeta mergulha
no inferno do seu mundo real
e silencia
quando voltar
ao paraíso inventado
(em cápsulas)
o poema retorna
com suas verdades
sempre tão relativas
precárias
no inferno do seu mundo real
e silencia
quando voltar
ao paraíso inventado
(em cápsulas)
o poema retorna
com suas verdades
sempre tão relativas
precárias
a durar o tempo do espanto
dos olhos
o cristal
o poeta não morre
transborda
além da conta
da gota
além da taça
da boca
e o que era
fluido
torna-se
o cristal
que o continha
e vibra
ao sopro
da primeira brisa
e brilha
ao toque
do primeiro sol
[... e vai
transborda
além da conta
da gota
além da taça
da boca
e o que era
fluido
torna-se
o cristal
que o continha
e vibra
ao sopro
da primeira brisa
e brilha
ao toque
do primeiro sol
[... e vai
o frio
faz frio
tanto
que a palavra
que a palavra
treme
nem verso
nem verso
ou prosa
nada
nada
que a aqueça
palavras frias
palavras frias
morram
sufocadas
sufocadas
no peito
meu canto
meu canto
espera
o corte
riscos no poema? muitos
há quer ter mais
que sulcos
no papel em branco
traços, vestígios
há quer ter mais
que sulcos
no papel em branco
traços, vestígios
:- minha cara
delimito fronteiras, cruzo
inverto, transformo
risco em certezas
que não possuo
risco em certezas
que não possuo
:- invento
risco que corro — risco
que corre
fio de navalha
corte que sangra
palavra negra
:- tinta e pena
fio de navalha
corte que sangra
palavra negra
:- tinta e pena
e o verso
em risco permanente
a bruma
ninguém sabe de nós
pensei
que a poesia
nos revelasse
mas não — é bruma
(cortina etérea
que obscurece)
nossas verdades:-
pedras
incrustadas
do lado de dentro
pensei
que a poesia
nos revelasse
mas não — é bruma
(cortina etérea
que obscurece)
nossas verdades:-
pedras
incrustadas
do lado de dentro
a cinza
arde no poeta
a chama
do querer
ser imortal
porém
a brasa viva
da palavra
inflama
e queima
a folha branca
de papel
que em breve
será cinza.
a chama
do querer
ser imortal
porém
a brasa viva
da palavra
inflama
e queima
a folha branca
de papel
que em breve
será cinza.
o lugar
onde mora a palavra
não dita
e não escrita:- nenhuma luz
lugar
de onde não
se retorna
super massiva estrela
que agoniza:- não silenciar
pois que canto
jamais
não dita
e não escrita:- nenhuma luz
lugar
de onde não
se retorna
super massiva estrela
que agoniza:- não silenciar
pois que canto
jamais
o limbo
as palavras estão gastas
puídas, rotas
e contra
a decrepitude
das palavras
não há remédio
nem cura
haverão de morrer
irão para o limbo
onde as palavras mortas
esperam
que o ciclo se complete
e chegue a hora
de renascer
[... feito palavras novas
puídas, rotas
e contra
a decrepitude
das palavras
não há remédio
nem cura
haverão de morrer
irão para o limbo
onde as palavras mortas
esperam
que o ciclo se complete
e chegue a hora
de renascer
[... feito palavras novas
o alvo
porque ninguém
escolhe
ser poeta
também não escolhi
a poesia
nos encontra
mira no alvo
e num tiro
certeiro
nos atinge no peito
escolhe
ser poeta
também não escolhi
a poesia
nos encontra
mira no alvo
e num tiro
certeiro
nos atinge no peito
o arrepio
poema:- risco em estilete
lâmina de aço
sobre pele de zinco
já não há sangue
apenas lascas:- faíscas
cicatrizes
e o inevitável:- arrepio
lâmina de aço
sobre pele de zinco
já não há sangue
apenas lascas:- faíscas
cicatrizes
e o inevitável:- arrepio
o ciclo
estão mortos os poemas
choro
por cada um deles
natimortos renascem
a cada olhar
atento
num ciclo interminável
de renascimento e morte
choro
por cada um deles
natimortos renascem
a cada olhar
atento
num ciclo interminável
de renascimento e morte
a estrada
leva-me palavra
onde
meus olhos e pés
não
me levaram
por não saber ou
não poder
querer
quem sabe não
sonhar
ou
por não haver estrada
onde
meus olhos e pés
não
me levaram
por não saber ou
não poder
querer
quem sabe não
sonhar
ou
por não haver estrada
o varal
todo poeta tem
alma de lavadeira
lava a palavra e estende
sobre o varal
dos versos
mas só depois
de ter quarado tudo
sobre a pedra da vida
e exposto ao sol
do tempo
alma de lavadeira
lava a palavra e estende
sobre o varal
dos versos
mas só depois
de ter quarado tudo
sobre a pedra da vida
e exposto ao sol
do tempo
o zumbi
esquecido de si, seu corpo o suporta
zumbi às avessas
é pura alma — e o poema não se faz
pois que não se sustenta
zumbi às avessas
é pura alma — e o poema não se faz
pois que não se sustenta
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- o ciclo
- a lição
- o arrepio
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- a bula
- a cinza
- a bruma
- o corte
- o frio
- o cristal
- a precariedade
- a plenitude
- a fogueira
- a serventia
- o escuro
- a cura
- a agonia
- o querer
- o zumbi
- a fatalidade
- o raso
- o verbo
- a invenção
- a aridez
- a metamorfose
- a tradução
- a ave
- o manifesto
- a tisana
- a tristeza
- o sol
- a luta
- o bastante
- a fogueira
- a mudez
- a catarse
- o tempo
- o pressentimento
- a conversa
- o vazio
- o deserto
- o tédio
- a esfinge
- o signo
- a dualidade
- o ato
- a intradução
- o labirinto
- o nada
- a substância
- o sotaque
- a chama
- a teia
- o sopro
- o abismo
- o ciclo
- o espelho
- o acaso
- a explicação
- o sopro
- o ofício
- a mordaça
- a celebração
- o vento
- o edifíco
- o pecado
- a pretensão
- a perda
- o canto
- o fio
- a posse
- a doação
- o risco
- a vertigem
- a flor
- o pó
- o encontro
- a busca
- a inconclusão
- o limiar
- a afronta
- o silêncio
- o enigma
- a mina
- o garimpo
- o rito
- a fissura
- a dor
- a cratera
- a sangria
- a loucura
- o nascimento
- o chamado
- o nome
-
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